sexta-feira, 15 de junho de 2007

De suspeito, Renan vira condutor da investigação

Do blog do jornalista Josias de Souza

A manobra de proteção ao senador Renan Calheiros tornou-se uma pantomima levada longe demais. Tão longe que o próprio presidente do Congresso se convenceu de que o arquivamento sumário do processo o condenaria a uma absolvição recoberta pelo manto diáfano da culpa. Num último esforço para evitar o impensável, o Conselho de Ética do Senado agarrou-se ao inaceitável: fará uma investigação de fancaria.

Decidiu-se que, num único e escasso dia –a próxima segunda-feira (18)— serão ouvidas as testemunhas e submetido a perícia um monturo de papéis que inclui uma infinidade de extratos bancários, declarações de IR, notas fiscais, recibos e cópias de cheques. Quem fará a perícia? Por ora, ninguém sabe.

As decisões foram tomadas numa sessão presidida, à sombra, pelo próprio acusado. Pelo telefone, Renan Calheiros guiou cada passo de um Conselho de Ética que se pretendia autônomo. Com os olhos grudados na TV Senado, Renan valeu-se do telefone para mudar a direção dos ventos sempre que eles estiveram prestes a se converter em redemoinho.

Surpreendido na noite da véspera por uma reportagem que pôs em xeque sua condição de rei do gado, Renan saltou da cama agarrado a um maço de notas fiscais, atestados de vacinação de rebanho e cópias de cheques. Esgrimiu-os em reunião com alguns conselheiros e líderes partidários. E destacou o assecla Romero Jucá para brandir o papelório diante das câmeras, no Conselho de Ética.

O jogo de cena não teve os efeitos desejados. Parte do conselho manteve-se aferrada à decisão de reivindicar o aprofundamento das apurações. Quando sentiu que a tese, antes minoritária, perigava arrebanhar adeptos inesperados, Renan teclou os números do celular de Jucá. Pediu-lhe que informasse ao conselho que fazia questão de que os novos documentos fossem submetidos a perícia.

Estipulou um prazo conveniente: até segunda-feira. Sugeriu que, já na terça, o conselho voltasse a se reunir. A coisa caminhava bem. Os insurretos PSDB, DEM e PDT puseram-se de acordo. Alguns de modo entusiástico. Outros algo contrafeitos. Súbito, Epitácio Cafeteira, que fora escalado como coveiro do processo, rebelou-se. Ameaçou renunciar ao posto de relator. Um sopro de tensão varreu a atmosfera. Jucá perambulava de orelha em orelha. Arthur Virgílio mastigava as unhas.

Seguiram-se apelos para que Cafeteira reconsiderasse sua decisão. Negou uma, duas, três vezes. Demóstenes Torres (DEM-GO) insinuou uma hipótese plausível: As digitais de Renan, o presidente-sombra da sessão, poderiam estar impressas nos dois movimentos encenados no conselho –o pedido de perícia e a ameaça renúncia. Depois, diria: Eu pedi para ser investigado, mas o Conselho de Ética não quis.

De repente, a turra de Cafeteira amoleceu. O relator, antes irredutível, concordou com a protelação. A causa? Ouvira, pelo celular, um pedido de sua mulher, que, por sua vez, acabara de receber um telefonema de Renan, sempre ele. A pedido do investigado, a companheira do coveiro Cafeteira apelou para que ele se mantivesse na relatoria. Foi atendida.

Depois da meia-volta providencial de Cafeteira, Renan, em novo telefonema a Jucá, “sugeriu” que, além da “perícia” de um dia, o Conselho convocasse para segunda-feira duas testemunhas: o amigo Cláudio Gontijo e Pedro Calmon Filho, o advogado da ex-amante. Nada de Mônica Veloso. Assim, sob a presidência invisível de Renan Calheiros, o Conselho de Ética “deliberou” que fará, como sugerido, oitivas e perícias na segunda. Na terça, volta a reunir-se para “julgar” o caso. Jefferson Peres (PDT-AM) disse, ao ler um “voto em separado”, que uma investigação séria deveria durar “o tempo necessário”. Foi solenemente ignorado.

José Nery (PSOL-PA) sugeriu que a perícia documental fosse feita pela Receita e pela Polícia Federal. Sibá Machado, que supostamente presidia a sessão, disse que planejava recorrer a técnicos do TCU. Romero Jucá apressou-se em esclarecer que a perícia não seria “contábil”. O que se deseja é única e tão somente atestar a autenticidade dos papéis. Encerrada a sessão, sabe-se apenas que a “investigação” vai durar um dia.

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