A entrevista do escritor José Saramago ao Jornal da Globo me comoveu. Pois não é todo dia que o neto de um criador de porcos ganha o maior prêmio das letras mundiais: o Nobel de Literatura. A mãe, analfabeta, esfregava escadas para sobreviver. A infância do menino Saramago foi pobre, cheia de moscas, carente de livros, escassa de comida. No enredo do mais mirabolante romance talvez soasse inverossímil que uma mulher analfabeta, filha de rudes criadores de porcos, pudesse dar à luz um gênio da literatura. Mas a vida real é cheia de caprichos. E mais fantástica que qualquer ficção.
Saramago nos deixa a lição do desapego. Detentor do Nobel, pergunta-se o que é o prêmio se comparado ao Universo. Nada. No fundo, tudo é insignificante, afirma. Essa noção nos dá a dimensão exata das coisas, de todas as coisas que desejamos, por maior que hoje nos pareçam. Ante a verdade proposta pelo escritor português, pus-me a pensar naqueles que se engalfinham por dinheiro, cargos, honrarias. Perdem tempo, ao ignorar o essencial. Miram o supérfluo através das lentes embaciadas da miopia intelectual.
O filósofo José Saramago é um polidor de lentes, como foi Espinosa.
“As pessoas se tornam máquinas de ganhar dinheiro. Ou de tentar ganhar dinheiro”, pontua ao falar sobre as oliveiras que ele viu na infância em Azinhaga, e que a União Européia pagou para que fossem arrancadas e assim se mantivesse alto o preço do azeite.
A vida simples que leva o escritor nas Ilhas Canárias contrasta com a glória que se espera de quem se tornou best-seller. E recebeu da Academia Sueca o prêmio de um milhão de dólares. É que o polidor de lentes enxerga o indispensável – e se compraz em viver consoante sua filosofia.
Aos 82 anos de idade, José Saramago parece ter se despido das vaidades. E concentra-se no que é preciso ser feito. Mesmo quando está enfermo, escreve todos os dias. Trata-se, afinal, de sua maior vocação.
O neto do criador de porcos de Azinhaga tem muito a nos ensinar com seus próximos livros. Leiamos José Saramago. Sua literatura nos desembacia as lentes.
domingo, 27 de maio de 2007
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