O livro está pronto e em breve poderá ser lido por alguns. Ele conta a história de João Gabriel de Carvalho e Mello, desbravador do Acre, entremeada por episódios que trouxeram para cá Luiz Galvez e empurraram Plácido de Castro para a guerra contra a Bolívia. É claro que romanceei uns fatos, assim como me mantive fiel a outros.
Não pretendo ganhar o Nobel de Literatura, mas o escrevi e o reescrevi duas vezes como se fosse concorrer ao prêmio. O livro ficou pronto antes da minissérie "Amazônia", de Glória Perez, o que não lhe confere mérito algum. Enviei os originais a algumas editoras, que o recusaram. Não os reenviei a elas após a exibição da Globo. Talvez o faça agora com a obra pronta, o selo do Senado Federal no frontispício. Sou grato so senador Geraldo Mesquita Júnior pela iniciativa. Ele tem usado a cota de suas publicações para nos enriquecer com obras importantes, entre as quais espero vá figurar meu romance. Quem decidirá isso serão meus futuros leitores.
Longa introdução para um trecho breve. Mas ainda resta dizer que João Gabriel de Carvalho e Mello foi um homem de coragem e muita fibra. Passou mais de vinte anos dentro do seringal Tauariá, no Amazonas, antes de regressar a Uruburetama (CE), sua terra natal. A seca de 1877 o mandaria de volta à floresta, dessa vez mais longe do Amazonas, para fundar o seringal Anajás, em 88. As terras pertenciam à Bolívia. No rastro de João Gabriel, vieram outros e mais outros, que deram origem ao bravo povo acreano e desencadearam os conflitos armados contra nossos hermanos. A tenacidade do desbravador me comoveu quando li "Formação Histórica do Acre", de Leandro Tocantins. Vislumbro em muitos acreanos a firmeza de caráter que encontrei nesse que deveria ser nosso mártir. Em reconhecimento à sua importância, lhe fiz duas modestas homenagens. A primeira foi recontar sua história. A segunda foi batizar meu filho, que tem um ano e dez meses, de João Gabriel. Espero que ele não só goste do nome como honre o significado que ele tem para mim.
Afinal o trecho do livro:
"O casamento se deu na igreja da cidade e a festa reuniu duas dezenas de amigos e parentes das partes. Os músicos de Cardoso vieram animar o fandango, que entrou pela noite e terminou com um filho de Filó Genésia dormindo no galinheiro e dois cachorros fuçando nos restos de comida. No mesmo dia da cerimônia Mariana mudou-se para casa que tinha sido dos pais do noivo, ganhando deste um vestido novo de chita – não para vestir, como lhe disse um João Gabriel prenhe de felicidade e olhos faiscantes, mas tão-somente para tirar.
Viveram em idílio as primeiras semanas do matrimônio, que foram também as semanas de estio. As sementes de feijão lançadas na terra não vingaram, e o casal viu, entre enamorado e apreensivo, algumas levas de retirantes famélicos a trinta passos da janela, na estrada de pó. Eram apenas contornos de gente, esbatidos de sol, as carnes comidas pela fome e o rosto poento revelando a miséria a que estavam condenados. Uns vinham lhes bater à porta, gestos humildes e voz sumida, a pedir água pelo amor de Deus. Também tinham fome aquelas criaturas martirizadas pela desgraça. Mas o máximo que os recém-casados podiam lhes dar de comer era uma cuia de farinha e um pedaço de rapadura. Às vezes nem isso.
Essas cenas de horror atrapalhavam a disposição de Mariana para o amor de todas as noites, um amor feito com tanto desejo que fazia balançar como febre as vigas do teto. Nos dias, porém, em que eles avistavam uma turba de retirantes, João Gabriel sabia que a noite na cama de varas seria apenas de mornidão.
No primeiro ano da seca eles se agüentaram com o resto da colheita feita nos meses que antecederam o estio. Mas o martírio crescia na desproporção das plantas que minguavam ao castigo do sol. A terra rachava. Os dias faiscavam, insuportáveis de tanta luz e calor.
O curral que levantara com a ajuda de Mariana continuava vazio, já que não puderam contar com o dinheiro da plantação de milho e arroz para comprar as novilhas. Quando soube pela mulher que ela esperava um filho seu, lastimou não ter no cercado ao menos uma rês que garantisse ao rebento temporão um punhado de leite.
Enquanto sulcava a terra para o plantio de novas sementes de milho e arroz, sementes que provavelmente se perderiam no mormaço dos dias, o sertanejo lamentava que a chegada do filho fosse de precisão como a deles, que já quase viviam sob as graças do acaso. E foi por isso que decidiu ir ao tio da mulher propor-lhe um negócio. Nada pediria ao homem não fosse a emergência da situação."
quinta-feira, 17 de maio de 2007
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2 comentários:
Um Pulitzer, já serve né, humilde?
Caro Ark, eu li essa bela amostra do teu romance, na imediatidade de um "êpa!", sem piscar, sem "tumar forgo!". Espero não ter que esperar o petróleo jorrar nas terras de João Gabriel, o teu filho, pra poder saber que negócio propôs o João do livro.
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